O setor da educação viveu um processo de apagão de dados nos últimos anos, o que tornou impraticável atingir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. Este foi um dos alertas feitos por especialistas na audiência pública da Comissão de Educação (CE) nesta segunda-feira (22), que fez parte do ciclo de debates visando a definição do PNE para o decênio subsequente, de 2024 a 2034.
Antonio Lassance, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), denunciou que desde 2018 o Ministério da Educação deixou de fazer o monitoramento de atualizações dos dados dos municípios quanto ao cumprimento das metas do PNE. Ele disse que a pasta atuou sem qualquer instância de monitoramento.
— Os fundamentos de qualquer processo de monitoramento e avaliação são exatamente nessa ordem, ou seja, você não avalia aquilo que você não monitora e, se você não monitora, você não sabe o que está acontecendo. Mas […] toda política, todo programa e todo monitoramento e avaliação que sejam feitos […] deveriam se questionar como é que está o ‘acesso’, como é que está a ‘qualidade’ e como é que está a ‘equidade’ [em relação aos usuários dessas políticas] — disse Lassance.
Essa lacuna de monitoramento foi reconhecida pelo representante do Ministério da Educação, Maurício Almeida Prado, para quem a efetividade do PNE 2014-2024 “ainda carece de diagnósticos” pela falta de dados dos governos anteriores. Além disso, o grupo de trabalho da pasta que já atua na elaboração do PNE 2024-2034 entende que o atual PNE também apresentou problemas de formulação. Prado afirmou que o MEC luta contra o tempo para ter um diagnóstico realista em relação ao atual PNE, pois o objetivo do governo é enviar o PNE 2024-2034 ao Congresso já no segundo semestre deste ano.
— Como garantir a qualidade técnica do novo PNE, do novo Plano Nacional de Educação? Algo que faltou ao PNE anterior, que é um diagnóstico. E como é feito esse diagnóstico? Por meio de uma metodologia. Então, a metodologia é muito importante para nos guiar, guiar nossas ações. E, aqui, nós estamos trabalhando com a metodologia de análise de problema, que é amplamente reconhecida nos meios acadêmicos e nas políticas públicas — disse Prado.
Responsabilização
O debate foi conduzido pelo presidente da CE, senador Flávio Arns (PSB-PR), para quem o próximo PNE precisa desenhar “com mais objetividade” como realizará o monitoramento das metas da educação. Arns também afirmou que para ser mais efetivo, o PNE precisa definir critérios de responsabilização dos gestores. Além de ser democrático em sua formulação e, posteriormente, no controle da execução dos objetivos. Uma responsabilização efetiva dos gestores que não cumprem as metas também foi defendida pela procuradora Luciana Cano Casarotto, vice-coordenadora da Comissão Permanente de Educação do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (Copeduc/CNPG).
— Trabalhar sem dados é muito difícil, não há como trabalhar sem dados — disse Luciana Casarotto.
Também integrante do Ministério Público, Lucas Sachsida Junqueira Carneiro, secretário da Comissão Permanente de Educação do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (Copeduc/CNPG), reforçou ser preciso fiscalizar o cumprimento das metas e responsabilizar os agentes públicos.
— Não podemos nos permitir errar novamente […]. Mas é impossível, dentro do nosso sistema jurídico hoje, uma norma ser eficiente na prática sem que ela traga previsões de responsabilização e fiscalização.
Auditoria do TCU
O auditor Alípio Dias dos Santos Neto, coordenador de Ações de Controle da Unidade de Auditoria Especializada em Educação, Cultura, Esporte e Direitos Humanos do Tribunal de Contas da União (AudEducação), disse que o órgão realiza no momento uma “ampla radiografia” do PNE 2014-2024, a qual servirá de subsídio ao governo e ao Congresso na formulação do PNE 2024-2034. Mas apresentou também auditorias recentes que explicitam o “descaso” com que a educação foi tratada nos últimos anos.
Em relação às medidas para diminuir o impacto da pandemia de covid-19 na educação básica, por exemplo, o Acórdão 2.620/2021 do TCU detectou a baixa capacidade do MEC, à época, para formular e coordenar ações estruturantes. O MEC também falhou na gestão coordenada com estados e municípios, “priorizando políticas fragmentadas, intempestivas e sem foco específico na resolução de problemas enfrentados pelas redes de ensino”, segundo o relatório trazido por Neto.
Ainda segundo o auditor, o MEC também não priorizou o combate às desigualdades estruturais que marcam a educação brasileira durante a pandemia, e que se tornaram ainda maiores por causa disso. Na mesma linha dos demais participantes da audiência pública, Neto corroborou que o TCU apontou a demora do MEC em efetivar qualquer ação de monitoramento do estado da educação nos níveis estaduais e municipais durante a pandemia.
Já quanto ao cumprimento das 20 metas do PNE 2014-2024, o TCU detectou que 12 delas tinham “alto risco de serem descumpridas”. O TCU apontou atrasos especialmente em relação às metas de educação especial, relativas aos planos de carreira e à gestão democrática. O TCU também viu na época a “baixa governança do MEC, com ausência de planejamento estratégico e monitoramento contínuo das metas”.
Neto também concluiu que, para ser efetivo, o PNE precisa ser obrigatório em relação ao cumprimento das metas por parte dos gestores. E que governo e Legislativo precisam “fazer sua parte”, priorizando as metas do Plano em relação às destinações orçamentárias.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado